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Paralelos entre o fascismo e o momento atual OSCAR PILAGALLO, para o Valor Num momento em que a democracia no Brasil vem sofrendo ataques sistemáticos por parte da extrema-direita, parece oportuno o lançamento de um livro que busque, na história do país, uma situação paralela. É o que Pedro Doria faz, com êxito parcial, ao contar a breve e tumultuada aventura do integralismo e tentar relacioná-la com o governo Bolsonaro. “Fascismo à brasileira” (editora Planeta) é uma excelente introdução ao movimento liderado por Plínio Salgado (1895-1975) nos anos 30 do século passado. Em opção acertada, Doria – colunista do “Estado de S.Paulo” e do “Globo” e autor de livros sobre o tenentismo e a Inconfidência Mineira – traça o perfil político de Benito Mussolini, que serviu de modelo ao brasileiro. É particularmente informativa a reconstrução do rápido encontro dos dois, quando Salgado esteve de passagem na Itália, em 1930. Voltou impressionado com o “Duce” e criou a AIB (Ação Integralista Brasileira), que durou de 1932 a 1937, tendo sido em parte financiada por um empréstimo de um banco alemão. O esboço biográfico de Salgado é correto ao só destacar aspectos pessoais com impacto em sua trajetória política. A viuvez precoce só interessa porque aguçou sua espiritualidade e o reaproximou do catolicismo que, em sua vertente mais conservadora, foi uma das bases do integralismo. A suposta ascendência indígena só é relevante por estar refletida na saudação integralista, “Anauê”, que em tupi significa “você é meu irmão”. Doria investe também na formação intelectual do personagem, que, além de naturalmente buscar inspiração nos entusiastas da direita autoritária, conheceu o marxismo nas leituras juvenis. Em tempos de polarização no mundo, o ideal integralista chegou ao Brasil antes de Salgado, trazido pela comunidade de imigrantes italianos, que se espalhavam na indústria nascente em São Paulo. A ideologia apelava aos patrões, não aos operários, esclarece Doria. Os integralistas entraram para o folclore como fanáticos estabanados. Com seu uniforme de camisa verde, onde costuravam um símbolo equivalente à suástica (o sigma), protagonizaram, em 1934, uma marcha frustrada da qual debandaram sob um ataque antifascista, o que lhes valeu a alcunha de “galinhas-verdes”. Em 1938, alijados do poder e com a AIB na ilegalidade, tentaram um golpe armado contra o ditador Getúlio Vargas, após terem contribuído para a decretação do Estado Novo. O livro enumera algumas semelhanças entre o fascismo e o bolsonarismo. Os dois são expressões de tendências mundiais. Ontem, além do fascismo, havia o nazismo. Hoje, além de Bolsonaro, há Donald Trump, nos Estados Unidos, e Viktor Orbán, na Hungria, entre outros. Há ainda em comum um culto a figuras associadas ao totalitarismo, como Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista. E ambos valorizam o autoritarismo e a violência política, ainda que com diferenças de grau, natureza e retórica, o que talvez deveria ter sido mais enfatizado. Para uma obra que se debruça sobre como o integralismo “ilumina” o bolsonarismo, “Fascismo à brasileira” é honesto ao admitir as importantes dessemelhanças entre os dois momentos históricos. Para começar, os líderes integralistas eram intelectuais refinados, alguns alinhados à estética modernista, um perfil que contrasta com a vulgaridade do ocupante do Palácio do Planalto. Tinham a cultura e a polidez em alta conta, algo que os integrantes do atual governo desconhecem. Na economia, preferiam o nacionalismo xenófobo ao liberalismo de Paulo Guedes. No último capítulo, “Plínio e Bolsonaro”, o único que trata diretamente do paralelo histórico, Doria solta o argumento, até então nem insinuado, de que a ascensão dos dois se explica pelo DNA da cultura política brasileira, “um traço que preferiríamos negar”. Para ele, é isso que abre espaço “para um movimento fascista de grande porte”. A opinião é mencionada como se fosse consensual e, portanto, dispensasse maiores embasamentos. Por conta disso, é provável, o autor não elabora suficientemente a ideia. Repete-a mais adiante, mas sem avançar na explanação, num registro que se dilui na tautologia, enfraquecendo a tese central. Nas páginas derradeiras, o autor concede que, historicamente, a comparação não procede. Seriam marcos distintos, com características próprias. “O Brasil dos anos 2020 não é o Brasil dos anos 1930”, escreve. “Se a definição é histórica, então não dá para afirmar que há um novo fascismo.” O que explicaria, então, o “fascismo à brasileira” do título? É que o paralelo não é “histórico”, mas “político”. Doria endossa, em dois parágrafos, a perspectiva de que as singularidades dos fascismos – no plural – são a crença de que a sociedade está em declínio, a exigência de fidelidade, a distribuição de armas a militantes e o relacionamento, ainda que desconfortável, com as elites tradicionais. O fascismo, de ontem ou de hoje, “respira violência”, afirma. “No momento em que tem força suficiente, atropela restrições éticas ou legais.” É esse insight, e não o passado integralista, que pode iluminar o bolsonarismo. “Fascismo à Brasileira – Como o integralismo, maior movimento de extrema-direita da história do país, se formou e o que ele ilumina sobre o bolsonarismo” (editora Planeta) Publicado no Valor em 23 de outubro de 2020.

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Cartas resgatam passado de resistência OSCAR PILAGALLO, especial para a Folha “O Amoroso Lima está terminando a vida numa aurora.” A frase, atribuída a um amigo de Alceu Amoroso Lima (1893-1983), resume a trajetória intelectual do mais influente pensador católico do Brasil. Deslocando-se do reacionarismo para posições progressistas, Amoroso Lima percorreu um caminho ideológico incomum, que levou o jovem conservador a se transformar no velho liberal, que, depois de 1964, ficaria conhecido como uma das pedras mais incômodas na bota dos militares. Amoroso Lima gostou do comentário do amigo. “Bacana, não?”, comentou, ao transcrevê-lo numa carta que agora vem a público com o lançamento de “Cartas do Pai – De Alceu Amoroso Lima para sua Filha Madre Maria Teresa”. A obra reúne parte da copiosa correspondência do escritor endereçada desde 1951 à filha, monja enclausurada no mosteiro beneditino de Santa Maria, em São Paulo. Madre Maria Teresa, 74, liberou, por enquanto, as cartas escritas entre 1958 e 1968, o período em que a “aurora” de Amoroso Lima começou a ganhar nitidez. Cronista de jornal, inclusive da Folha, e autor de livros, Amoroso Lima sempre teve espaço para expor seu pensamento. O autor que emerge das cartas, portanto, não surpreende o leitor familiarizado com seu texto, frequentemente assinado com o pseudônimo de Tristão de Athayde. As cartas a Tuca apelido familiar da madre  valem mais pelo registro intimista do homem público. Ouve-se, nas entrelinhas, o pai saudoso que quer, com a correspondência quase diária, manter o vínculo com a filha, tirada do convívio familiar aos 22 anos. As circunstâncias em que os missivistas se encontravam o pai girando o mundo, a filha entre quatro paredes fazem de “Cartas do Pai” um painel de época. A destinatária de então e o leitor de hoje veem o mundo através das lentes do humanista que, entre outras reações, se alegra com o papado de João 23 e se entristece com o assassinato de John Kennedy. É o Brasil, no entanto, o foco principal de sua atenção. Sistematicamente na oposição, o escritor não perdoa nenhum dos cinco presidentes do período em que as cartas foram escritas. O primeiro deles, Juscelino Kubitscheck, não seria tão popular hoje se dependesse de Amoroso Lima. Em 1960, recebeu esta avaliação: “O povo é naturalmente carnavalesco, e o JK compreendeu isso muito bem, de modo que está governando carnavalescamente, com dinheiro falso que dá impressão de verdadeiro, porque algumas obras visíveis se têm feito por aí com ele”. Quanto a Jânio Quadros, embora não desaprovasse sua política, Amoroso Lima foi profético em carta de março de 1961 (cinco meses antes da renúncia): “O modo exageradamente personalista como está agindo poderá levar-nos a más consequências, pela hipertrofia do poder pessoal, que sempre levou os governos à ruína”. Escritas em cima do fato, as cartas refletem a primeira reação, ainda sem a peneira da história. Natural, portanto, que algumas análises, em retrospecto, se mostrem equivocadas. É o caso do golpe continuísta de João Goulart hipótese com que Amoroso Lima trabalhou até o último minuto antes da queda do presidente e que, como se sabe, não se concretizou. Ainda assim, vive-se, a partir do texto, a experiência atávica de uma geração que presenciou o início do regime militar. As nuances do discurso radical, os interesses pessoais travestidos em arroubos patrióticos, as mesquinharias dos ricos, são aspectos que permeiam o cotidiano e que muitas vezes aparecem diluídos nos livros de história. É nessa zona cinzenta, mescla de reflexão política e crítica de costumes, que se situa essa espécie de diário. Embora não tenha, pela própria natureza, um eixo central, o livro se concentra em 1964 e seus desdobramentos. Quando se diz que Amoroso Lima foi um crítico de primeira hora do regime militar, não se trata de força de expressão. Em carta datada do dia seguinte ao golpe, escreveu: “É apenas vitória do golpismo direitista para tranquilidade dos proprietários, latifundiários, udenistas e mulheres histéricas” (referência às “boas senhoras psicopatizadas” que haviam organizado as Marchas da Família). O livro para em 1968, após a edição do AI-5. Mais uma vez, Amoroso Lima reagiu de pronto: “Tenho vergonha de estar solto numa hora destas, pois são os melhores que estão presos de fato, embora todos nós estejamos presos cá fora”. Foi com essa voz que os militares não puderam censurar, tal a autoridade moral de seu dono que Amoroso Lima se transformou em importante peça de resistência civil à ditadura militar. “Cartas do Pai” resgata esse passado. Publicado no caderno “Ilustrada”, da Folha de S.Paulo, em 27 de setembro de 2003.

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